sexta-feira, 5 de junho de 2015

Ela não queria voar, daí não poderia ter asas


Ela não queria voar, daí não poderia ter asas.
A menina que conheci naquele dia tinha o caos nas pernas. Era de um rebuliço toda, não parava quieta, suspeitavam até de um frivião na alma, marcada por algum anjo travesso. Se tinha um gosto estranho era um de ficar palavreando com o ar. Escrevia com seu dedinho esquerdo no ar e depois assoprava, talvez tivesse medo de alguém poder ler o invisível dela, tinha lá sua razão. Quando conheci a menina descobri outra esquisitice, certa vez a ouvi dizer que meu sorriso era sorriso de maçã verde. Ora, quem sorri maçã verde? Mas foi aí que assobiaram que pra todo sorriso a menina inventava uma fruta. Dizia que o sorriso do seu avô era de “Bacuri sem caroço”, embora confesse nunca ter visto. Quando estava partindo da Cidade da menina era quase noite... Foi só um tempo de ela me dizer (sussurrando, assustada) outra dessas conversas dela de ar, perguntou “O Senhor não acha o escuro perigoso demais pr’eu levantar da cama e ir apagá-lo?

segunda-feira, 16 de março de 2015

zaratustra

Dançam nas minhas veias o veneno da noite
O meu corpo suga tudo que está morto
Tenho fome de gente
Mas você não sabe

Nós dormimos juntos para não parecer vazio
Escapamos do tempo de nada

Teus músculos que se inclinam feito pássaro
Nesses teus penares de penas.
Esse homem é um pólvora
Tem em mim sua arma
Meu homem é uma dinamite
Tens nele o resquício da destruição 

domingo, 25 de janeiro de 2015

Hai e kai

Disse-me
- “Tenho que ir. É a guerra”.
Vesti-me de suspiros
“Mas já não há mais guerra”

- “Por isso mesmo"

sábado, 17 de janeiro de 2015

Que conceito moral que nada, minha filha!

Cidadania ética para crianças formadoras de um conceito “moral”.


resolvi perguntar para os alunos o que eles sabiam de Ética/cidadania.

"Ética? É quando você pede o caderno emprestado do seu amigo, e não desenha um pinto no caderno."

"E cidadania é que se um dia desenhar, não ser expulso do colégio por isso."

sábado, 3 de janeiro de 2015

Seremos felizes com outras pessoas?


Isso não é sobre você. Isso é sobre mim. E reformularia até “Seremos felizes que nem outras pessoas?”. E confesso. E confesso que rasguei metade das nossas fotos, confesso que não satisfeita joguei grande parte numa fogueira, num ritual particular xamânico, confesso que joguei alguns de seus presentes pela janela, mas não tive coragem de jogar os livros. Mas confesso que fiz tudo isso ouvindo no repeat por centenas de vezes “how deep is your love” e que alguns meses depois comprei um álbum para o resto das fotos. Confesso que nunca falei sobre toda nossa história para nossos amigos, só falei o quão foi cruel em me deixar sozinha num feriado, como era rude, atrasado, era necessário que me alimentassem e me voltassem contra você, involuntariamente o fiz. Confesso que as pessoas me parecem bobas. Existe uma espécie de “poder inconsciente” que elas acreditam de verdade. Sempre acabam numa decisão de quem quer ser caça ou presa, exibem suas dialéticas tediosas e pedantes esperando impressionar alguém que já tem sua audição adulterada pela décima quarta dose de vodca. O que eu queria dizer, o que eu gostaria de dizer, de verdade, é que eu sinto sua falta. Todos os filmes me lembram de você. Acabei de assistir “Deprisa, Deprisa” do Saura, sinto falta dos seus cabelos castanhos passando por meus dedos enquanto você faria uma observação que eu não concordaria.  Eu até comecei à ouvir sua banda favorita, e acabou se tornando minha banda favorita também, claro, depois de ter ouvido centenas de vezes.  Confesso que no último carnaval que passamos juntos eu já sabia que estava com as malas prontas, sabia que você estava indo, por isso todos aqueles vídeos e todas aquelas fotos que fiz de... Nós? Mas uma morte anunciada não dói menos que uma fatalidade, sim? Queria dizer que naquele dia santo, naquele santo dia em que você corria atravessando o sol, sorriso gigante, pés no mato, pés descalços, sua alma aberta e seu coração de pouso. Um lindo quadro de humano morto pintado pela natureza. Confesso que você é a melhor pessoa do mundo. Que foi o abraço mais apertado que recebi. Que foi melhor cuidador de cólicas menstruais. Que foi o melhor parceiro de jogos. E o pior de dança. E sabe qual a melhor coisa? Eu nunca precisei fingir. E algumas vezes me pergunto será que não foi por sermos verdadeiros demais que morremos um para o outro? Passou tanto tempo e ainda não sei o que aconteceu. Mas como o tempo passou e me passou também. Passei por aqui só para recordar que tenho que seguir. E me seguir.