quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Abate

     No fim da estrada, sempre nos deparamos com decisões, entre desligar ou não o oxigênio. Viste que a galinha, essa nasceu com o destino entrelaçado  na morte. Viste que a morte, só a morte, é uma maneira de dormir sem ser incomodado.
Já é sandice achar que galinha tem alma, então, não existe nada mais perto da morte que uma galinha.
     A destreza com que ela vai andando pelo “corredor”, as mãos que a sufoca das mesmas delicia-se dela.
Emendando seus pés finos para não tentar voar, outra utopia de galinha.
Cravando-lhe a mão no pescoço, ela se debate, se contorce, late, grunhi, surta e entorpece, zangando-se. O cérebro da galinha, liberando um tipo de endorfina, que não é dor fina, solta a língua para fora. Espírito de sobrevivência. E depois de tantos séculos, burras galinhas não criaram nenhum tipo de aptidão para se salvar da morte.
     Abastada, incompleta, incrédula, servida como mingau.
Já nasce suicida, só por nascer galinha, e como um ser de tal ignorância não tem o conhecimento de sua própria morte.
Joga-se o milho, limpa-se o celeiro, choca-se  ovos, cisca suas dores de galinha apagando a crucificação no terreiro baldio, deita-se com o galo, divide-o com outras marcadas pelo mesmo destino e talvez, chore.
Aniquilação absoluta, primeiro retira a camada de penas, deixando-a nua, porque ela é pura vontade de vida, água quente, borbulhando, joga-se em cima do cadáver, deixando-o limpo, purificando a alma de quem aceitou a bigamia, mutilando-a corte por corte, dividindo os pedaços para serem servidos com ou sem farinha.
   É quase escasso o que se imacula, nem é atrito, talvez os narcóticos neurolépticos salvem-na.


  “Edite, bibite, post mortem nulla voluptas”.



*"Comei, bebei, depois da morte não há prazer".