sexta-feira, 4 de março de 2011

A última dança- O baile dos afogados



Insisti “bem me quer- mal me quer”, assim acabei com todas as rosas da floricultura de Maria.



Por onde tu andaste? Em que cama repousou? Quem é a dona destes sorrisos de rei? Óh, olhos-negros-abismos-profundos, voltastes?  Não, foi só uma visita breve, pois estavas a repousar no sofá, sentira falta deste cheiro que tanto reclamava de casa mofada, mal sabias tu que quem mofava não era a casa, éramos nós.

Procurei-te tanto, espalhei suas fotos em meio praças e ferrovias, gritei por ti, choraminguei nos ladrilhos, daquela rua que não, que não era minha e não tinha pedrinhas de brilhantes. E nem vi, nem vi meu amor passar.

Condenado por Colombina, Arlequim voejou, encontrou-se em outros contos  de fadas, e com marcas de dentes aprendeu o prazer que só gente sente. Padeceu sobre todas as camas, todas as casas, sobre telhados diferentes, sobre outros jardins, sentiu o cheiro de inúmeros lençóis, morreu de amor, matou por ele. Estava fantasiado, a descoberta do vinho, levou-te ao meu esquecimento.

Deixe-me dizer que virei teu anjo da guarda, já não sou mais teu amor de carne, tua bela moça de beijos e apertos, descobri-me um querubim, que tanto de amor por ti, criou asas para te proteger, não sou tua amada, sou guarda. Despenquei-me em silêncio, diferente dos outros, sou um anjo com espadas e escudos. Agora, só  olho-te de longe, guardo um manto, pois sei que depois das farras com as fadas, tu te sentes só, faz do seu corpo concha, e a dor toma de conta da alma, tens medo do escuro, tens medo que a própria alma venha o assombrar.

Daí, cá estou eu, cantando uma cantiga de ninar. Servindo de Morfeu para teus sonhos. Servindo de voz para o silêncio que te assustas. Servindo de ar para teus pulmões. Eu estou aqui. E agora tu podes dormir.
Amanheceu, tenho de ir... Ainda me pergunto: como seria se tu não resolvesses me dar um beijo na ponta do nariz e me fechar os olhos.

Fostes e não voltastes. Não voltastes.

E com os anéis no chão, convido-te para a última dança, peço-te em meio a Quimera.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Sophia, Clarice, Ana...



                                                                                           "Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher... 
Quero ser mulher, vejo-me menina..." Ferreira Gullar

Fazia sol-chuva, chuva-sol, era um frio abafado, não sei se pingos ou suor, talvez os dois... “Bom dia, Bom dia”, se eles pelo menos olhassem nos meus olhos, saberiam quão bons são os dias e me denunciariam por tráfico. E vou andando, tem uma pedra no meio do caminho, outra, outra e mais outra, Drummond tu só viste um micro-pedregulho-reluzante-inflámavel, desvio das pedras, mas acabo de perceber que despencam meteoros, a moça do tempo não avisou sobre isso.

Corri para entrar no bonde, corri tanto que minha alma saiu do meu corpo. Que alma? Uma lama podre e Cubana, vendida aos Americanos, que me cegaram com suas possibilidades do “Green card”, defecaram-me de possibilidades, ficando cada vez mais ricos sugando almas, assim, como a minha. Até no Ganges as fezes se acumulam, devido  o corpo lavado naquela água, Tietê  de esgotos, Ganges de almas. Um ótimo lugar para o suicídio, das bostas viemos, para bostas retornaremos.


Vejo um homem que dá o passo maior que a perna. Ele cai no bueiro e os ratos o devoram. O mundo está poluído, não falo de efeito estufa, falo do odor que nossos corpos-carniças exalam, deve ser por isso que meu olho arde tanto.


Entro no bonde, e na janela vejo meu reflexo, côncavo, convexo, corcovado? Ilusão, o que reflete não sou eu, é uma armadilha, mas também não é a garota do fantástico, sou apenas uma nota fiscal, e valo exatamente 1kilo de mortadela, que comprei ontem.


Olho para o lado de fora, vejo um casal, acho estranho classificar duas pessoas de “casal”. Eles estão se beijando, na África diriam que eles estão trocando almas, eles são bonitos, lindos de doer, sabe? Poderia descrever eles como... E agora, esfregando os olhos, vejo que eles se transformaram em dois vira-latas, no cio, um cheirando o rabo d’outro, ela lambe suas partes intimas, venerando-se, ele rosnando atrás do seu próprio rabo. Então vou concluir... Amar para mulher é lamber suas virilhas, enquanto, o macho-vira-lata rosna para seu próprio rabo. Tenho uma quota para sentimentalidade, deixo os cães, o amor, as virilhas. Cães que estranham o próprio rabo.


Olho para as pessoas que estão dentro do ônibus;  contas, trabalho, crianças, casamento, separação, sexo, dinheiro, Jesus-seja-louvado, brio, cana, frustrações, vazio, velhice, medo, misture tudo, uma batida de desesperança servida sem gelo. E isso viraria uma bela melodia de poesia, mais uma bela rima sobre púbis. Não existe nada de poético nas vermes que corroem as tripas do garoto.
Esfrego os meus olhos.  Sou jogada no bordel, isso não passa de um prostíbulo, nossas genitálias rendem o prato de cada dia, cada dia que nós damos hoje. Comam. Nossos Santos que  nos protejam da próstata, “crescei-vos  e espalhai-vos gonorréia”.


Fecho meus olhos... –Estava sonhando, tentando dormir.


-Quem é ela? Quem é ela? Q-u-e-m s-o-u e-u? Não tenho amigos imaginários, acho que eu sou um amigo imaginário. Abortei-me. Tenho treze filhos. Meu ventre é oco. Tenho medo de dormir. Tenho medo de acordar. Tenho uma goteira no meu quarto. Não tenho quarto?
Acordo... Acorda, vejo o livro que... De quem é esse livro?
Dizia, “Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados...” Responda-me, e esses malditos, benditos, gatos? Não sei. Só sei que essa brincadeira de alguém ter me transformado em humano é de mal grado, antes eu deveria ser um porco lindo e gordo, deve ser isso, uma bela primavera, um porco brincando no esterco e, agora um humano que despreza a lama.


Da próxima vez quero nascer relógio, e que esses humanos morram, faleçam de medo de mim. Quero que eles saibam que não podem abraçar o mundo com suas pernas paraliticas. Queria que eles soubessem que destruir menos não é deixar de destruir.


O menino que entra no ônibus vendendo bala: Três balas por um real. “Três balas por um real”... As pessoas compram as balas, talvez se sintam menos culpadas. “Comprando uma bala ganho um passaporte no paraíso”. O que eu faço? Imagino... O menino grande, segurando uma arma, grita: um real ou três balas na cabeça.


Desvio minha atenção, olho pelo vidro, uma placa 60 quilômetros, imagino... Uma placa “sua escolha”, que caos seria, acidentes, atropelamentos... Que caos seria. Uma placa dizendo quanto nós devemos correr. Somos uns anêmicos, correndo em sessenta quilômetros por hora.


Tenho nojo de mim, sim, enojo todo meu corpo. E sempre achei que quando você critica demais o calo do mundo, é quando você nunca tentou tirar o sapato para ver o tamanho do seu.


Cheguei ao meu ponto, desço do bonde, atravesso. De longe consigo ler uma placa no portão do colégio: Estão canceladas todas as aulas, por falta de água.
O que eu imagino? ...