sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ao som de um último acorde.



“Música, o que é música além de um arranjo? De um violão bem afinado, e um maestro regendo uma orquestra”?
“E o que é o som, se não uma freqüência medida em decibéis”?
Essas frases usadas por alguns de meus amigos reforçaram o meu íntimo motivo de escrever, sobre música e da forma ambígua que ela age sobre o meu corpo, meu espírito, sobre o externo, que acabaria por vez, se tornando interno.

“O que diferencia  música de um som? O ouvinte”.

Enquanto entrava em um restaurante, escutei várias vozes, agudas, graves, finas, de homens, mulheres, e crianças. O barulho fazia-se mais forte enquanto me aproximava da mesa onde sentaria, eu tentava identificar de onde saía cada som, impossível. No começo as vozes mais graves chegavam primeiro aos meus ouvidos, depois as risadas estridentes, e no fundo,como se fosse o fundo de uma tela na qual a paisagem seria o segundo plano,vozes tímidas, quase instáveis. E se não fosse um som para ser “apreciado” de maneira individual?Parei, como se por dois segundos pudesse silenciar todos. Comecei a notar às vozes de forma coletiva. De fato o barulho era perturbador, era como se o quadro por um instante ganhasse todos os tipos de paisagens nos fundos da tela.
E depois de certo tempo, vi que o som começava  a agrupar-se. Tanto que agora eu era que estava no segundo plano da tela.

“Sou um homem que faz música com o cérebro”.

Pensei certa vez como uma pessoa que sofre de afasia consegue compor?Como a música age com relação ao cérebro, e nossos sentidos?A pergunta é: A música é capaz de mudar nossos sentidos sensoriais?Se me dissessem que sim, diria: Então a use com pessoas que sofrem de amnésia.
Interromperei, para a passagem de um texto.
Estava eu e o porto, o mar e o céu que contrastavam da mesma cor, azul marinho. Notei que olhando para o mar e para o céu não conseguiria distinguir-los, só viria um breu, tudo era escuro fazendo alusão para o nada, tanto que eles pareciam um só. Eu não entendia como uma pessoa passara seu tempo olhando para aquela dimensão. A visão naquele momento era falha. E por um instante fechando os olhos, comecei a ter a primeira percepção de onde se encontrava o mar, podendo finalmente separá-lo através do som. A onda que tinha timbre forte crescente, enquanto batia na ponte fazia tremer, titubear, e as minhas pernas logo ganharam o compasso emitido pelo tom, através da vibração que a onda causava.

“A música vai dando movimento ao corpo, o corpo vai virando música”.

“Feche seus  olhos, veja com seus ouvidos”.

Na noite distinguimos imagens através dos sons. Um choro de um bebê, um barulho de gato, um pingo de chuva, todas as coisas que não conseguimos ver, ouvimos conscientes ou inconscientes, e isso também se torna música. Quando a rua está vazia, não necessariamente precisamos ver, mas teríamos que ouvir, para saber quem vem, ou o que vem.

 “Um breve silêncio: Música”.

Os passarinhos dessa vez não cantaram. A chuva não fez o barulho que eu esperei. As palavras já não eram satisfatórias. Restou-me um breve silêncio, e um pequeno acorde musical.


"O homem cria música, o homem escuta sua criação, o homem se torna cria-tura."