quarta-feira, 21 de julho de 2010

A noite de Oliva-verde -03 parte-

                                                                                               Cartas para um leitor...

Veja o galo cantar, querubins trazendo meus sonhos. Querubins marchem!Sete dias, e as cicatrizes ainda enfadam  meu corpo. E esse é um corpo desacostumado a receber querubins, que na sua presença sente dor. Essa nova pele, tão difícil de encaixar. Achem as peças do quebra-cabeça, ache a parte do lado direito. Mas querubins voltem!Voltem e voejem perto de mim.
Perdoe-me, esse novo corpo parece não gostar de palavras, ele ainda é bruto. Paralisia de letras?E eu já não consigo mostrar-lhe imagens. Darei-te meu olho, minha córnea, veja o que eu vejo, as pupilas estão se dilatando e não é instinto, é metamorfose. Quando as pupilas se dilatam é porque estamos no escuro, esse é meu escuro eterno.
“Meu Deus, queria que tu me ouvisses agora, sou uma mulher e desespero, por isso peço que não me dê às costas. Hoje te farei uma oração, pelo menos é o que eu sei sobre ela.”
Essas palavras são  empoeiradas, e o papel já está ficando amarelado. Como elas não largam meu corpo?Tem tamanha posse sobre mim, quase uma amante. Posse, aquela que a ostra tem sobre a pérola, que guarda. Ostra tem posse sobre a pérola?Ou a pérola tem posse sobre a ostra?
Isso é fé?Ou é o primeiro sinal de luz que encontrei e estou seguindo. Força, força tenho força, mas já não a quero. Pois ela exige a guerra e um dos lados tem que levantar espadas!Correr, gritar, levantar espadas!
Guerra que os dois lados perdem, de cadáveres no chão, e depois catalogamos em calendário para comemorar um feriado. Minha guerra é comigo e contra meu louva-a-deus, inseto cuja finalidade está no nome.
Tudo que hoje escrevo me aparenta ser igual, um monótono, uma idéia fixa, quase uma obsessão de te manter dentro de mim, de te manter informado sobre minha morte diária. E te direi mais, nenhuma dependência é pior que essa, pois é dependência consciente, quero isso, vício da dependência.
Então por favor, fique...
Interrompi a frase que iria ser dita, pois vi um medo. Não sei se conseguirei deixar claro, talvez não queira. Mas vou tentar: ”Quando ama o que se caça"? Estabilidade. Sabe quem é o inimigo da estabilidade? O destino, e é dele que tenho medo. O destino é um grande escuro, um salto para o nada, você não pode esperar que o destino queira se encarregar dos seus sentimentos, muito menos que ele te leve a algum lugar. Porque você quer ficar, e não pode deixar ninguém se encarregar disso. Porque isso é seu. E  você vê meu segundo medo. O medo de deixar isso nas mãos alheias, certas ou erradas, são mãos alheias, tenho medo, que quebrem,sujem,que rasguem,tenho medo que sintam, porque se sentirem vão descobrir o quanto é indigesto. E se você tentar engolir verá que é veneno, o mais doce veneno humano, mas que no paladar de outro se transforma  e chega a ser áspero, não digo que morrerás, mas se quer ter uma experiência de “quase morte”  leia, e me sinta. Carne crua, e um pouco de reencarnação.
Você sabe por que falei em indigestão?Pelos meus pecados, que não são poucos. E se tentar ficar aqui, será cúmplice, logo se lambuzara de todas as minhas sujeiras, fazendo parte assim de uma alma poluída, talvez não você não queira fazer parte disso. Mas se ficar desculpe-me,  começarei  te sujeitar a isso. Seus pincéis azuis serão quebrados, e eu vou te obrigar a pintar de cinza. Espero que goste de cinza. Espero que goste de permanecer aqui. Eu não gosto, por isso sempre procuro por o meu “outro”. Esse outro “eu” que por várias vezes é minha válvula de escape, esse outro por qual eu me afogo todos os dias, e pelo qual tento parecer sem vida só para que ele me dê um pouco da sua. Esse é meu segundo rosto, aquele que eu busco no espelho, aquele que é intruso, mas parece pertencer a mim, mais do que eu mesma.
 Em cartas ao leitor é assim: “Jogatina de dados e mulher torcendo para que  número seja sempre seis”.