quinta-feira, 29 de julho de 2010

A noite de Oliva-verde

                                                                                                                                                                              Na noite do arlequim na janela.

Um barulho forte combinou com abrir dos meus olhos, a janela que não costumava ser aberta, naquela noite em especial estava, mas como?Zéfiros  cobriam meu quarto, trazendo uma bela canção, levando-me a um sonho. O de sempre: Minhas visitas a um jardim, dessa vez o jardim estava coberto de boninas e lírios, e outras rosas que faziam um efeito bordô, no sonho eu deveria ter doze anos, corria como se estivesse livre, eu estava. À liberdade que falta na vida encontro nos sonhos.
Eu estava sorrindo, um sorriso azul celeste, minha pequenez e um laço nos cabelos era um traje perfeito para uma festa no campo. Oh, e como eu estava feliz, nunca  tinha me sentindo assim. Não era aquela  felicidade quando se ganha algo, ou quando alguém aceita o pedido de casamento, era felicidade gratuita, sem motivos, ou melhor,  o único motivo se encontrava no vento que eu sentia no rosto conforme corria cada vez mais rápido.
O barulho dessa vez foi mais intenso, mas não foi da janela, eu acordei já assustada, alcei, os meus pés pisavam leves e devagar no chão arranhado, passos miúdos, o medo crescia cada vez que eu ficava mais perto da janela. O relógio fazia um barulho estridente, eu poderia voltar para a cama, ou gritar por socorro, mas seria uma ofensa, ofensa em grau supremo.
Escutei o barulho de novo, fiquei parada, na divisa entre a janela e a porta do meu quarto. E se fosse alguém?Seria perigoso?Mas se não fosse nada?O que eu estava esperando ser?Ou melhor, eu estava o esperando?
Um cetim branco entrou no quarto bailado pelo vento, os meus olhos bailavam com o cetim, ele era branco e afável, parecia com aqueles que se ganha em enxoval, até que delicadamente ele caiu no chão. Pensei em apanhá-lo, mas ele ficaria ali de uma maneira ou de outra. Então me apressei para ver o que estava lá fora. Chegando perto da janela, e apoiando minhas mãos, pude sentir uma friagem que ironicamente “queimava” meu corpo.
A rua estava em silêncio, e não se via nada além dos gatos que reviravam os lixos. Os galhos de uma árvore em frente minha janela, fazia desenhos com suas sombras no chão aterrorizantes. Pensei em falar, mas meu medo agora era de assustar  “A criatura”, parada olhava como se soubesse que teria alguma coisa de especial naquela árvore. Passado alguns minutos, eu já estava desistindo. E de novo o barulho, acompanhado por um “ai”, e no instante seguinte, uma imagem.
Meus olhos fixos na árvore, eu não tinha medo, nas sombras eu ainda tentava descobrir o que era e meu coração palpitava,  batia sem arranjos, distorcendo a música. Ele chegou mais perto, quase um galho de distância. Olhando-me, seus olhos me lembravam aconchego, e um pouco de ternura, ele chegava mais perto tão perto que eu pude ver seus ferimentos. A sensação de ter vivido aquilo antes me incomodava.
Esticando minhas mãos, para que ele pudesse entender que não precisaria temer. Ele hesitou voltando para trás, com medo talvez, pois seu olhar tinha mudado. Eu não o machucaria, continuei com a mão esticada, ele se aproximava devagar, astuto, e de uma maneira faceta cheirou minhas mãos, tentando descobrir se eu mostrava perigo, ou medo, senti sua respiração em minhas mãos.
Se apoiando em mim, ele entrou no meu quarto, tinha tantos machucados, mas sua pele era a mais pura que eu já havia tocado antes. Ele brincava com meus cabelos, enquanto eu descobria mais alguns machucados. Ele era quase tão humano quanto eu podendo sangrar, mas era tão inocente quanto um querubim, pois não reclamava dos seus ferimentos.
Queria eu entender que criatura era aquela, e o trouxe ela para mim, ele tão lindo quanto às rosas do meu sonho, e aquele sorriso do sonho, eu pude sentir ele pela primeira vez enquanto não estava dormindo. Então eu desejei que ali fosse sua última parada.
Ele estava sonolento, os seus olhos eclipsados. Os ferimentos tão meus quanto dele, pois enquanto eu cuidava das suas dores, me sentia parte delas. Eu ainda não sabia seu nome. Nem de onde veio, não sabia aonde queria ir, se sentia fome, ou dormia  nas noites, talvez  sentisse frio no inverno, ou teria medo de escuro, se  gostava de rosas,  não gostava de calor, não sabia se tinha sonhos, ou pesadelos. Tudo que eu sabia era que sua pele era confortável, e enquanto ele tentava dormir, franzia seu rosto.
Eu só queria poder senti-lo, e queria que ele não fosse embora  depois que  seus machucados estivessem  curados. Pois é divina essa criatura sem nome, que tem braços sangrando descobertos e cravados, quando eu vi que nas suas costas estava escrito “Arlequim”. Será seu nome?
“Então estava eu velando o sono de um arlequim”.