quarta-feira, 26 de novembro de 2014

De tão verde que te quero rosa.



Se eu chegar de mansinho
Feito passarim
E te emprestar minhas asas?
Prometas
Que voltarás.
E se eu chegar de verdes
E tu estiveres de rosas
Fará hora do jardim um nosso lar de querubim.
Do tão verde que te quero rosa.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Travinha da vida

Eu que subia nos pés de acerola
Fazia careta de quando era verde
Eu quem pulava na terra quente
Eu quem cheirava o mormaço e ficava doente.

Eu quem chupava manga
Eu quem podia mangar
Eu que corria da Vó
ela que corria pra cá
Eu quem me atrepava nas coisas.

A goiabada era boa
A chuva era boa
O pão bem quentinho
A água geladinha.

Não me definiam na travinha
Nem era menina, nem era menino.
Talvez porque não tínhamos uniformes?
Nem sei!

Eu quem apanhava todas as flores no caminho da volta
E caminho da ida também
Mas não sabia dos seus nomes
“rosas, lírios, margaridas”.
Sei lá!

domingo, 14 de setembro de 2014

Trama Macabra

Quando abri aquele portão preto senti logo o cheiro de carne no fogo. Mas não estava com fome. Falavam sobre contas quando atravessei de supetão da cozinha ao meu quarto, o tempo dela me dizer “Quem comer por último guarda as louças”, sempre ironizava isso, pois sabia quem, consecutivamente, ficava por último. Respondi que “sim” com a cabeça. Passei mais tempo no banho que o costume tentando tirar todas aquelas caspas do meu cabelo. Voltei à cozinha, bebi um pouco de água, agora falavam de como eles puniriam os criminosos no caso fosse concedido uma chance de tal. Fingia que não os ouvia. Voltei ao quarto, apanhei algumas folhas amassadas e jogadas ao chão.  Eram anotações inúteis. Sempre tenho anotações jogadas por aí. Sempre as apanho e leio ou a angustia de ter jogado algo importante fora me toma, embora nunca tenha guardado nenhum desses papeis. Tirei o micro system e começou a tocar strawberry fields forever, 23h45min, passei o olhar em uma fotografia minha e de uma ex-namorada que ainda estava numa mesinha que fica ao lado da cama.  Nunca entendi como era a melhor forma de encarar o passado. Os homens omitem seus sentimentos pela mulher amada. A mulher amada, por sua vez, ignora-os quando deliberadamente é falado demasiado sobre esse amor. Passo os meus olhos sobre o sorriso jocoso dela. Sempre teve uma espécie de felicidade clandestina nos seus olhos, mesmo quando triste, mesmo quando jogava sobre meu corpo as maldições do mundo. E se algo de maligno lhe acontecesse encarava isso de uma forma serena, dizia-me que para acontecer tantas desventuras era preciso que alguém se tome de felicidade. Sua ruína era a fortuna de alguém. Para o mundo isso é o equilíbrio. Nesses dias ao pensar nela sinto seu cheiro indo e vindo, sinto o coração aquecido por uma espécie de dor e nostalgia. Como é ver seu passado escrito sobre um rosto tão conhecido? Suas lembranças agora possuem cheiro de alguém. As memórias se tornam físicas ao se apaixonar. Mãos que me recordam sentimento de compaixão, tal qual dia ela estendeu suas mãos miúdas sobre meu rosto que estava suando. Então, debruço-me, penso em Tereza. Enlaço-me, acoito-me, corroo-me e dentro do que pulsa expulso. Penso em você mais do que quando estava. Quando sabia que horas voltaria. Com quem estava rindo. Mas engana-se! Não, não quero vê-la. Não quero teus olhos em mim, do que éramos restam lembranças, não sou mais o encantador, viril, fantasiado. Tenho medo de te encontrar e que tu estejas mal, ou pior, que estejas muito bem. Tenho medo de te encontrar e que tu me vejas, ou que não me veja ou fingindo não me ver apanhe o ônibus. Tenho medo de te encontrar e que tu saias ou que tu queiras ficar. Tenho medo de te encontrar e me desencantar. Que tu estejas mais sonolenta, monossilábica a ponto de me parecer que pioras a cada dia. Tenho medo de encontrar no teu encontro com alguém. Tenho medo de te encontrar e que tu queiras conversar. Fala sobre Nietzsche e das coisas que aprendeu até então. Então eu não respondo, presto atenção nos teus lábios e nas tuas pausas. Tu me olhas e, gaguejando, fala sobre outra cousa que já não sei, então tu percebes, fala-me do seu atraso, e mostrando-se cordial, beija-me o rosto e foge. Foge? E nesses nossos encontros imaginários escapo da vontade do real.  Então nos olhamos fixamente, procurava no meu imaginário o som do teu riso. E tu me olhavas disfarçadamente, mas teu disfarçar já denunciava. Começara andar. E eu começara a te seguir. E sobre as ruas penumbrantes só enxergávamos becos. O som que emanava do teu salto era de um ritmo frenético. TUM-TUM-TUM-TUM... Virava-se outra esquina. Quase pisa na poça. TAM-TAM-TAM. Existem almas perdidas nas noites procurando por um corpo frio. Virava-se outra esquina. Suas pernas parecem querer chegar mais rápido que seu corpo. Cortei caminho. Ela entrou em outro beco. Seus olhos explodiam e seu corpo sacudia como uma rapina virgem. Finquei-a. Senti palpável o som de suas carnes rasgando. Acima do umbigo. Seu sangue quente. Sua alma começara a exilar por seus poros. O inferno é aquele beco. Se tu soltas minhas mãos mastigarei teus dedos e que no inferno não te faças alianças com ninguém.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Hijo


Noite de julho,
E no meu coração parado pelo tempo
Não fazia hora alguma.

Não há lapide se o morto está vivo,
Chovia os prantos do diabo nos meus cabelos.
Uma sereia murmurava uma canção conhecida só por nós.

Então percebi que o mundo tolo rodava 
Sobre nossos pés de bailarinos aleijados.
Percebi que somos esmolas raras da aposentadoria de deus
Jogadas dum céu provinciano.

Percebi seu ventre sobre meu ventre,
Percebi sua mão morta de criança
Tateando o meu seio de mãe sem leite.

Percebi os urubus voejando
Manchado o céu de negro.

Percebi o ar passando sobre meu rosto,
Percebi 
Aves 
outras naves
O muro que não caiu,
Percebi uma alucinação em mim.

Percebi amor, a condição, percebi a amizade. 
O coração que é entregue
Sua alma amostra
Percebi uma amizade brotando
Sobre as flores do cemitério.
Percebi o esqueleto do amor
Procurando por liberdade.

Percebi minha busca pela poesia
Sobre uma vida patética,
Percebi que a chuva cessara
E que só o arco-íris 
Prolongava-se 
De um mundo ao outro
Trazendo mensagens da terra
Para o mundo que ninguém dorme.

Percebi, então,
Um brilho rasgando o céu.
Nos os olhos fechados que fazem um pedido
Percebi que já não era estrela
E o meu desejo explodia,
E sob o corpo mutilado
Soerguiam minhas pernas
Que inda agora
Acima dos meus braços
Percebiam à guerra.


Percebi a dor humana.
Percebi minha criança Palestina
Entre braços 
Pedindo aos filhos teus, devolva-lhes a quimera.

Percebi o jardim morto
Sobre flores desterradas
Percebi o piso do homem
Que destruiu a mata

Percebi o homem morto
Sobre flores enterradas.
Na lápide o mato
 O mata

Percebi o vento dando formato de onda na lagoa.
Percebi nossas marcas de Judas 
Que queimam em cicatrizes nos nossos pescoços.

Percebi os soldados de guerra que a criança rejeitou
Para tocar um violão.
Percebi uma revolução.
Percebi o cheiro, as cores, os gritos, o chão que piso.
Percebi marte, as constelações, a matéria.
Percebi deus.

sábado, 31 de maio de 2014

Quando tocou “the grateful dead”



Já contava quatro semanas. O calor infernal dessa cidade. O trânsito. O fleche que não fechava. O fleche que não abria. O sapato que incomodava. As couraças que se sobressaiam nas costas, numa espécie de segundo corpo querendo se extraviar da alma. Corria p’rum lado. Corria pr’outro. De sete até as sete. Comia na rua. Comia a rua. Comia a poeira, o asfalto, as pedras. Sentia dores de barriga. Acordava todas as manhãs com a sensação que nada seria aproveitado. De que ninguém estaria lá. De que nada estaria. Pois eu não estaria. Estava adormecendo em um abismo entre caveiras e lembranças. Em dias normais tomava uma para descer melhor à vida. Em dias fáticos, aumentava a dose  para desvanecer e não sentir nada. Sempre abria a mesma porta. Parava no mesmo canto. Entrava no mesmo bar. Ria das mesmas piadas. Construía o mesmo muro. Pintava o mesmo quadro. Um ser dotado ao aprendizado por base de chicoteadas. Quantas vezes escrevi esse mesmo texto em vida? Lia-o noutro dia, e o apagava no desespero de apagar cicatrizes. Descia às escadas como quem subia. Não existe nada de metafísico no prato de feijão de segunda a sexta. O sol dourado que nasce para todos é o mesmo que queima a pele de alguns. Estava carregando o cadáver de mim. E o nada já não fazia sentido. Então  acordei no sol de sexta-feira, depois de ter dormido por 14 horas. Algo queimava em meu peito. Alguma voz doce me chamava. Ouvia uma melodia suave e sentia o ritmo balançando minha rede. A voz que me chamava saía de minha boca. Minhas primeiras palavras “But if you fall, you fall alone”, algo como, se você cair, cai sozinho.  E eu já estava sobre um barco em ondas calmas. Sentia uma brisa branda atravessar meus cabelos. Estava, enfim, voltando para minha natureza. Eu o horizonte, brisa e mar, afagavam-se todos os elementos e algo me dizia que os deuses me apontava uma direção. Punha minha mão no rio e sentia doces águas claras entre meus dedos. Estou indo te visitar. Mas o caminho será feito pelos ventos. Pelas ondas. Talvez passe em outros lugares antes de chegar onde você mora. Sem remo. Talvez você sinta o que digo quando tocar “the grateful dead”
.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Página em branco ou tudo que se pode escrever em uma.

A existência fez do meu rosto retratos
Dos quadros que estão trincados
E das fotos soltas, falta de álbum.

O tempo agarrou os meus seios, 
Mordeu-os
Sugou a vida dos filhos que nunca tive.
Deixou-lhes murchos.

A existência se atracou de minhas pernas
De tal roçar qual cão em cio infinito
 A existência pateia minhas cochas.
E nas suas quatro patas,
Monta-me, alucinada.
S’eu rosnar, s’eu roçar, s’eu trepar.
A existência me traçou
E meu aborto é depressa.

A existência ponteia meus textos.
Vírgula.
O tempo pausa meu tempo
A vida para minha vida
A existência 
Existe
Noutra
Essência.